Precisamos falar de engenharia

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Precisamos falar de engenharia

SINICON
Publicado por Folha de São Paulo em POLÍTICA · Terça 01 Nov 2022 ·  5:00
Claudio Medeiros
Presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon) e vicepresidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)

É atividade considerada estratégica para as maiores economias mundiais. Em
função da complexidade dos projetos executados e da alta competitividade, o
mercado é dominado por um restrito grupo de aproximadamente 15 países e por
cerca de 300 empresas, com histórico reconhecido de capacidade técnica e
presença assídua na exportação. O Brasil é um deles.

Para além dos benefícios setoriais, a exportação de serviços de engenharia é
estratégica por gerar empregos, renda e investimentos ao longo da extensa cadeia
de fornecedores, dentre pequenas e médias empresas, que integram o ecossistema
das construtoras. Seus efeitos são nítidos na atração de divisas que auxiliam no
equilíbrio do balanço de pagamentos nacional e servem como instrumento de
comércio exterior (https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/comercio-exterior/) brasileiro em
coordenação com a política externa do país. A atividade compreende também a
produção interna de conhecimento a partir do investimento em inovação
tecnológica (https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/inovacao/), soluções construtivas,
gerenciamento de projetos e sua aplicação em empreendimentos executados
tanto no mercado internacional quanto no doméstico.

Nos tempos atuais, o papel do Estado como fomentador de políticas de
internacionalização de empresas é um entendimento pacificado, sobretudo pela
geração de valor para a economia local, mas não restrito. A exportação de serviços
vem sendo utilizada por países como Estados Unidos, Japão, Alemanha, China,
Reino Unido e outros para fomentar o desenvolvimento de suas cadeias
produtivas e aumento de suas respectivas influências geopolíticas. Na contramão,
nos últimos dez anos, o Brasil deixou o lugar de destaque que ocupava no ranking
de países exportadores de engenharia para assistir ao avanço das empreiteiras
estrangeiras no nosso país e em toda a América Latina.

Em que pese a profunda crise enfrentada pela cadeia de engenharia e construção
brasileira há quase uma década, o setor preservou capacidade técnica e vem
dando provas de resiliência e capacidade de se reinventar. Algumas empresas
nacionais, inclusive, mantêm grandes contratos de prestação de serviços no
exterior.

Há, no Há, no Brasil, grande estoque de profissionais atuando em construtoras com
experiência em projetos de alta complexidade, acervo técnico relevante e com
total condição de executar obras industriais, portos, aeroportos, hidrelétricas,
termelétricas, obras de arte, entre outros projetos de elevado porte técnico.

O principal gargalo para a exportação de bens e serviços de engenharia é,
portanto, o financiamento de longo prazo ou aval segurador, a fim de permitir a
competição das empresas brasileiras em igualdade de condições com suas
concorrentes internacionais.

A título de ilustração, de 1989 até 2015, quando foram suspensos os desembolsos a
esse segmento, o volume de financiamento direcionado pelo BNDES
(https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/bndes/)para incentivar exportações de serviços de
engenharia totalizou US$ 10,5 bilhões. Em contrapartida, o banco recebeu US$
12,8 bilhões em pagamentos dos países tomadores dos empréstimos, com US$ 1
bilhão de saldo devedor pendente.

Considerando também o impacto com arrecadação de impostos e geração de
empregos em território nacional, por grandes e milhares de médias e pequenas
empresas impactadas pelo programa, o superávit para o Estado é ainda maior. Ou
seja, políticas públicas para exportação de engenharia geram lucro e
desenvolvimento e ainda ampliam a influência geopolítica no tabuleiro mundial.

Como resultado dessa política, o Brasil chegou a alcançar participação mundial de
3,2% em 2015 (US$ 15,7 bilhões), quando esse mercado somou US$ 500 bilhões.

Em comparação, a Turquia, economia que é cerca da metade da nossa e com
menor diversificação industrial, conta hoje com 4,4% desse mercado, o que
demonstra que é plenamente possível ao Brasil retomar as exportações nesse
segmento e obter participação compatível com o tamanho da economia brasileira.

Outro exemplo são as empresas espanholas, que em conjunto com o governo local
perceberam a saturação do mercado doméstico anos atrás e apostaram na
estratégia de internacionalização: OHLA, Sacyr, Acciona, FCC, Ferrovial e ACS, seis
dos maiores grupos de construção da Espanha, fecharam o primeiro semestre de
2022 com uma carteira total de projetos de 205 bilhões de euros, a maior em cinco
anos, com obras de infraestrutura na Colômbia, México, Chile, Peru e Brasil.

Por aqui, seguimos perdendo não apenas relevância geopolítica, mas
principalmente oportunidades de gerar renda e emprego em território nacional,
desde que as políticas de exportação de serviços foram alvo de ataques
infundados de que se prestavam exclusivamente a drenar recursos nacionais a
partir de taxas de juros privilegiadas. A exportação de bens e serviços de
engenharia representou, entre 2003 e 2018, apenas 1,3% do total desembolsado
pelo BNDES, enquanto investimentos na infraestrutura nacional, no mesmo
período, responderam por 36%.

Levantamento produzido pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção
Pesada (Sinicon) mostra que, a cada R$ 1 milhão investido em infraestrutura, há
incremento direto do Produto Interno Bruto (PIB) do país em R$ 1,4 milhão, com
geração de 34 novos postos de trabalho e tantas outras oportunidades indiretas
que impactam as cadeias produtivas de 32 setores de nossa economia.

A exportação de serviços de engenharia, por se tratar de negócios que requerem
presença local, serve de canal de distribuição e cumpre função de abertura de
mercado para fabricantes de bens e prestadores de serviços, assim como de
uniformes, maquinários, calçados, equipamentos de proteção e muitos outros
produtos fabricados em seus países de origem.

Dada a sua importância indiscutível para fomento da competitividade
internacional, reindustrialização e reinserção da engenharia brasileira no
mercado internacional, a utilização de mecanismos de crédito ou de suporte
segurador oficial à exportação deveriam voltar à pauta dos governantes e gestores
públicos, abrindo um debate, dessa vez, mais qualificado e que permita a revisão e
retomada dos instrumentos oficiais.

É necessário ainda reestruturar o sistema de exportação brasileiro, a fim de
conferir-lhe prioridade, governança, atratividade ao financiamento privado e
eficiência na alavancagem da competitividade das exportações brasileiras.
Não existe país grande sem empresas fortes e comprometidas com o crescimento
nacional. O voluntarismo do passado rendeu lições que não podem ser
esquecidas, muito menos revividas.


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